ISSO NÃO É UMA GAROTA DE 12 ANOS
O que o cachimbo de Magritte me ensinou sobre crescer dentro de uma metáfora.
Na última edição, falei sobre como cada escolha — até a Crocs que a gente usa — carrega um significado.
E essa semana, enquanto lavava a louça (atividade que eu considero quase um castigo divino), me peguei pensando no cachimbo do Magritte. Sim, aquele quadro. Sim, surrealismo no meio da espuma de detergente.
Talvez seja um mecanismo de defesa do meu cérebro. Ou só mais uma prova de que, como eu sempre digo por aqui: nada é só o que parece. Tudo tem um significado.
Foi aí que pensei: por que não escrever sobre isso? Sobre como uma imagem pode nos marcar mais do que uma conversa. Sobre como a gente cresce se moldando por símbolos — e um dia percebe que alguns deles não cabem mais. Essa edição é sobre isso.
Sobre Magritte, Hazel Grace, e a menina de 12 anos que achava que precisava ser uma metáfora pra ser levada a sério.
Se você, assim como eu, tem 22 anos, provavelmente também assistiu ao filme A Culpa é das Estrelas no mínimo umas dez vezes em 2015.
Além de vê-lo todos os finais de semana, fiz questão de me tornar obcecada pelos detalhes mais bobos — aqueles que qualquer ser humano provavelmente ignoraria. Como, por exemplo, as metáforas de Augustus Waters e Hazel Grace Lancaster.
Mas, por algum motivo, o cachimbo de Magritte me chama atenção até hoje, dez anos depois.
‘Isso não é um cachimbo’
Na faculdade, tive o prazer de reencontrar essa obra e entender que tudo que é imagem não é a coisa em si — é apenas a representação da coisa.
Em 2015, eu tinha uma imagem da Hazel Grace na cabeça. Ela não era real.
Mas quando se tem 12 anos, não se faz muita distinção entre o que é real e o que é projeção.
A Hazel tinha um quarto azul, usava unhas escuras, era apaixonada por literatura e, enquanto muitas outras personagens de filmes infanto-juvenis estavam preocupadas com bolsas e sapatos, ela usava uma camiseta com a metáfora de René Magritte: “Isso não é um cachimbo.”



A partir dali, a Hazel se tornou o meu cachimbo.
Ela era a minha imagem da coisa. A minha identidade aspiracional.
Eu queria ser tão interessante para o mundo quanto ela parecia ser para mim.
Comecei a perceber que essa busca por uma identidade “interessante”, “inteligente” e até um pouco melancólica não vinha só da Hazel.
Ela era só uma entre muitas personagens que nos foram apresentadas como modelos alternativos – aquelas que não falavam sobre batons, mas sobre livros; que não gostavam de rosa, mas de azul acinzentado. John Green era uma boa representação disso.
E foi aí que entendi: a televisão, os filmes e até alguns livros também estavam moldando, sutilmente, o que significava ser levada a sério.
E por muito tempo, levei isso comigo sem perceber...
Relembre comigo: na nossa pré-adolescência, as protagonistas dos filmes e séries eram, na maioria das vezes, retratadas como fúteis.
Hannah Montana, por exemplo, só passou a ser levada a sério quando a Miley mostrou sua subjetividade ao mundo.
London Tipton, desde o primeiro episódio, foi apresentada como mimada — e isso foi imediatamente associado à sua imagem de “patricinha”: apaixonada por roupas, rosa e luxo.
Cher Horowitz, de As Patricinhas de Beverly Hills, também nunca foi valorizada de verdade. As pessoas ao seu redor só passaram a enxergar algo nela quando seus atos os beneficiaram diretamente.
E como esquecer de High School Musical? Gabriella era a garota inteligente, doce, “certa”. Já Sharpay, sua rival, era tratada como fútil, exagerada, superficial. O motivo? Ela gostava de moda, se vestia com brilho, rosa e sonhava em ser estrela.




Mais uma vez, nos ensinaram que não dava para ser as duas coisas.
De certa forma, a TV sempre nos mostrou essa dualidade cruel.
Elas eram personagens incríveis, nossa imagem perfeita de ser — engraçadas, estilosas, inesquecíveis.
Mas havia uma regra silenciosa: nunca poderíamos ser as duas coisas ao mesmo tempo.
Poderíamos gostar de rosa e de arte contemporânea?
Ser apaixonadas por moda e por filosofia?
Ou só nos era permitido gostar das coisas “chatas” se também parecêssemos “chatas”, estereotipadamente sérias?
Aos poucos, percebi que o problema não era gostar de rosa, de azul, de arte contemporânea ou de literatura adolescente.
O problema era ter acreditado, por tanto tempo, que para ser levada a sério, eu precisava apagar partes de mim.
Hazel, com sua camiseta do “isso não é um cachimbo”, era só uma imagem.
Assim como o cachimbo de Magritte — não era um cachimbo, era a imagem de um.
Ela não era real. Era uma metáfora que eu vesti como identidade por anos, sem perceber.
E é aí que tudo se encaixa: nenhuma imagem é completa.
A Hazel era só um pedaço daquilo que eu queria ser.
Assim como a London, a Cher, a Hannah — todas versões incompletas de uma coisa que só agora entendo:
nós somos muitas.
Aos 12, eu era uma massa fresca de ser humano.
Hoje, continuo sendo — mas agora sei que posso moldar essa massa com camadas que antes pareciam incompatíveis.
Posso amar arte conceitual e ainda assim comprar uma blusa rosa sem medo de parecer menos inteligente.
Posso rir de filmes bobos e chorar em frente a um Monet.
Posso ter a Lei de Murphy tatuada e escrever uma newsletter de moda.
Posso ser um cachimbo e uma Fendi Baguette.
E sim, posso filosofar sobre arte surrealista enquanto encaro uma travessa engordurada.
E isso, talvez, seja o mais bonito de crescer:
entender que tudo que nos forma são imagens — sim —
mas a gente não precisa mais caber dentro de uma só.
Porque, afinal, o real somos nós — não o cachimbo pintado, mas quem o vê, o imagina, o acende dentro da mente.
E se ainda restar alguma dúvida de que rosa, profundidade e inteligência podem coexistir, basta lembrar que quem entrou em Harvard foi a Elle Woods.
Bella Freud, neta do homem que praticamente fundou o inconsciente coletivo, tem um podcast onde faz uma única pergunta:
“Por que você está vestindo isso?”
Só isso.
E de repente, uma hora inteira se passa entre memórias, términos, projeções, gola alta e desejo reprimido.
Freud chamaria de projeção.
Lacan, de signo.
Bella chama de conversa.
Claudinha chama de confirmação do que a gente fala aqui na Ludovicas há meses:
moda nunca foi só sobre roupa.
E, claro, os militantes de plantão não perderam tempo.
Já teve gente dizendo que a gente tem síndrome de vira-lata, só porque não consegue admitir que sim — às vezes um conteúdo gringo hypado acerta em cheio.
Amor, recolha-se à nossa insignificância e pensa comigo: uma simples pergunta vale muito: principalmente quando quem pergunta se chama Freud.
WHAT’S IN MY BAG
(ou: a prova definitiva de que eu também sou a garota mais básica do mundo no dia a dia)
– 1 MacBook (com 35 abas abertas e 1% de bateria)
– 1 iPad (que eu jurei que usaria pra estudar… e uso pra ver Pinterest)
– 1 par de AirPods (que misteriosamente perdi um lado)
– 1 garrafa Owala (a minha é rosa pastel, claro)
– 1 matcha gelado (me recuso a viver sem)
– 1 Longchamp que eu até já enjoei (mas chique como só ela)
Entre neuroses e notificações, essa é a minha versão de normalidade.
Nem fashion victim, nem clean girl: só uma garota tentando não se estressar diariamente com a garrafa mais pesada do mundo. (sos)
A neta de Freud tem um podcast.
Eu tenho uma newsletter.
E ambas sabemos: a metáfora te forma,
mas será que a Bella perguntaria o que eu escondo na minha Longchamp?Com amor,
Ludoboss <3
que lindo!
i felt seen :') como uma garota de 25 anos que está se redescobrindo nos seus gostos e formas de se expressar, você não tem noção do quanto eu entendi e me identifiquei com cada palavra desse texto!!!