TATA DUTRA: Manual de inexistência criativa
Se perder pra se encontrar ou crescer com medo de errar?
Já parou pra pensar como os movimentos contraculturais, que sempre foram sinônimos de rebeldia, identidade e resistência, andam meio… apagados, para não dizer inexistentes? A estética até simula a rebeldia — ou a falta dela — mas, em uma era onde tudo parece acessível, estamos em escassez daquilo que por muito tempo definiu o espírito jovem: a ruptura.



Pra dar um contexto, no século XX, esses movimentos surgiam como reação, quase como sintomas de um corpo social doente. Eram pulsos vitais de resistência e reinvenção, uma resposta direta a um mundo em conflito. As contraculturas foram incrivelmente criativas, terreno fértil da arte, moda, linguagem e experimentação. Da geração Beat, que rejeitou o conformismo americano, escrevendo com fúria e lirismo sobre o tédio de existir, rejeitando o consumismo exacerbado da cultura americana dominante. Aos hippies, que, plantando flores nas baionetas na onda do LSD, pregavam o amor livre, paz diante à guerra, liberdade sexual e rejeição à violência. Aos punks, que gritavam sua raiva contra o desemprego, o conservadorismo e à monarquia, onde a única rainha aceita para eles seria, no máximo, nossa eterna Vivienne Westwood.



Ao hip hop nascendo no concreto das periferias de Nova York, como denúncia e arte de sobrevivência, em resposta à violência que afetava as comunidades afro e latino-americanas. Ao tropicalismo brasileiro, carnaval político em meio à ditadura, que reinventou o centro das cidades utilizando a arte como forma de resistência e protesto.



O que esses movimentos tinham em comum? Todos nasceram de um “não” visceral. Não ao conformismo. Não ao modelo de sucesso. Não à neutralidade estética. Não à lógica do progresso sem alma. Dizer não era o primeiro ato criativo. Era o ponto de partida.
A moda, desde que o mundo é mundo, é muito mais do que estética, é simbólica, é um gesto político. As roupas funcionavam como linguagem de resistência e códigos de pertencimento. Um moicano em Londres nos anos 70 não era apenas um corte de cabelo, era um grito contra o sistema. Assim como um vestido florido em meio à guerra era uma afronta pacífica ao militarismo. As escolhas visuais não obedeciam tendências, e sim, criavam rompimentos — a moda ali era o desconforto, não o produto. Hoje, a rebeldia foi comprada, higienizada e polida. O imediatismo sequestrou a autenticidade e transformou as lutas em engajamento e algoritmo. O que antes era grito, agora virou pose e conteúdo pro TikTok.


Há uma contradição gritante no uso atual de peças que nasceram da contracultura. A moda que foi criada como rejeição ao sistema hoje circula como estética de tendência, completamente distanciada da ideologia que a pariu. Peças que surgiram como símbolos de quem não queria ser engolido pelo capitalismo, agora são parte do figurino de quem o reproduz. É uma inversão cínica: antes, usar certas peças era uma consequência de fazer parte de um movimento — nasciam de um posicionamento, de uma vivência, de uma crítica intencional ao sistema. Hoje, a roupa virou um atalho estético para uma identidade que nunca foi construída de fato. As pessoas estão comprando a vivência e a rebeldia, e parcelando em até 10x no cartão.
Acredito que essa estética de superfície, na verdade, esconde algo mais grave: a perda da profundidade cultural. Ter bagagem e repertório leva tempo. A onda de conservadorismo, junto com o imediatismo criado pelas redes sociais e a pressão que os jovens têm de “performar” o tempo todo, tira deles o espaço e a liberdade de errar, de se contradizer e de se expressar — justamente na principal fase da formação de personalidade e senso crítico. É curioso — e até irônico — que o conservadorismo esteja tão em alta num momento em que o cenário nunca foi tão livre. Com muitos direitos já conquistados, acesso à informação e liberdade de expressão, os jovens estão seguindo o caminho inverso: o do medo, da norma, do controle. É como se, diante da liberdade, a reação fosse se esconder no velho conhecido. Talvez seja mais fácil repetir do que inventar.



uma aula esse post!! amei muito 😮💨
que texto incrível, parabéns!!!